A arquiteta e urbanista Lígia Maria Bergamaschi Botta se debruça sobre a infraestrutura de Porto Alegre desde os anos 1970, quando participou da elaboração de um dos mais completos planos diretores da capital gaúcha. Durante seus quase 50 anos de profissão, a maior parte deles estudando o planejamento urbano da cidade, sempre buscou privilegiar a qualidade de vida dos cidadãos.
Poucos dias depois de Porto Alegre ficar submersa, Lígia enviou um áudio para uma sobrinha que havia lhe pedido explicações sobre as causas daquele desastre. A mensagem foi enviada a cinco amigos, que a compartilharam com outros cinco, que a mandaram para mais cinco, e, assim, a gravação chegou a centenas de milhares de ouvintes, todos encantados com a clareza e simplicidade com que Lígia abordou os fatos. Recentemente, esse material foi transformado num vídeo, que já contabiliza quase 240 mil visualizações no YouTube.
Nascida em Estrela, cidade localizada a pouco mais de 100 quilômetros de Porto Alegre, Lígia morou em Erechim, o Fundo e Rio Grande, antes de se mudar para a capital, aos 14 anos de idade. “Acabei virando uma porto-alegrense por opção e por paixão”, diz. Casada com o engenheiro civil Décio Carlos Botta, especialista em saneamento, ela elaborou projetos como o do Parque Saint’Hilaire, em Porto Alegre, o do Gasoduto Uruguaiana x Região Metropolitana, e de hospitais em Florianópolis, ville e Chapecó.
Nesta entrevista, Lígia explica qual foi a receita que deixou debaixo d’água uma das cidades mais importantes do país: uma mistura de chuva intensa, densificação demográfica exacerbada, infraestrutura obsoleta e falta de planejamento urbano. “Porto Alegre está à deriva”, resume. “Nas pesquisas que eu e o meu marido fizemos, encontramos atualizações até dez, 12 anos atrás. Não conseguimos nenhum dado mais recente.” Das 23 casas de bomba existentes na cidade, muito poucas estavam funcionando quando a cidade inundou.
Confira os principais trechos da entrevista.
A senhora participou de alguns planos diretores de Porto Alegre. O que eles previam?
Participei de vários. Quando entrei na prefeitura, o plano diretor se restringia a uma pequena área, densamente ocupada. Por decreto, houve uma série de extensões, até que, em 1979, fizemos um novo plano muito consistente, com uma proposta bem interessante, bastante humana. O mote eram as cidades dentro da cidade. Propúnhamos uma descentralização comercial, com três grandes polos comerciais, o principal deles sendo o centro, que já existia. Outro ficava na zona norte, e um terceiro, mais ao sul. Gravitando em torno desses três polos principais haveria polos de menor porte, de forma que as pessoas pudessem ter o às suas atividades e necessidades próximo de suas casas. Esses polos seriam ligados pelas vias principais, chamadas corredores de serviço. Também era permitido comércio nessas vias, assim como prestação de serviços e pequenas indústrias. A cidade de Porto Alegre tem o formato de um “V”, sendo que o centro fica na ponta desse “V”. As vias convergem para esse ponto e não têm grande capacidade de circulação, então ficam muito congestionadas. Nosso objetivo era inverter essa lógica e fazer com que as pessoas parassem de viver em torno do centro. Distribuiríamos a movimentação, deixando o centro oficial para a parte istrativa e as atividades que só essa área possuía, como o Palácio do Governo, a Assembleia Legislativa e a Catedral.
Esse plano diretor ainda está em vigor?
Ele foi concretizado em 1979 e vingou por cerca de 20 anos. Quando eu deixei a secretaria, meio intempestivamente, estavam começando a modificá-lo. Nessa época, eu ocupava cargos mais importantes e propus um aperfeiçoamento do plano original, limitando os prédios maiores aos centros de bairro e centros comerciais. Mas havia outra corrente que defendia a densificação demográfica da cidade, com ocupações mais intensas. Eles queriam quebrar essa visão de centros de bairro e permitir os grandes prédios em todos os lugares. Deixei a secretaria, porque me recusei a participar dessa proposta. Saí na metade de uma reunião e pedi demissão. Preferi perder o último reajuste na minha aposentadoria e ficar com a minha consciência tranquila a avalizar um plano com o qual eu não concordava.
O que não faltam são projeto de infrtaestrutura para as grandes cidade, o maior problema é coloca-los em pratica, só ficamos sabendo dele depois que acontece uma tragedia.
Obrigada, Oeste!! Obrigada, arq. Lígia!! Excelentes informarções técnicas, sem maquiagem de políticos$$ e interesseiros$$. Vivi as mudanças de Porto Alegre, ao longo das décadas. O caos foi escancarado. O sentimento é de imensa tristeza e revolta. Tomara que aconteçam boas mudanças depois desta tragédia!!
Excelente entrevista. Uma aula.
O planejamento urbano é negligenciado na grande maioria das cidades brasileiras, por isso a desordem e catástrofes como esta. Espero ao menos que sirva de lição para as jovens cidades que ainda estão se desenvolvendo, como no Mato Grosso e outras. Porque as que já estão estabelecidas é de difícil conserto, vai ser só ”enxugar gelo”.
Enquanto isso, algumas criaturas ficam tirando fotos com cestas básicas e de militares ando pacotes de mão em mão. Figuras inúteis diante de tanto trabalho técnico necessário e urgente para salvar a população do R.G do Sul.
E a abertura das comportas de uma só vez não se fala, em setembro foi aberta três comportas de umas duas só vez, uma tromba d’água arrastou casas e o que tinha pela frente. Alexandre Garcia foi falar queriam predeê-lo. Agora tem vídeos mostrando tromba d’água chegando. Aquilo não é de chuva, pode chover o que for que não chega daquele jeito
De mais de 2 décadas para cá o trabalho de planejamento é desenvolvimento urbano vem sendo ocupado nas prefeituras por critérios políticos, o que isola os profissionais por mérito, criando corrente de pelegos.
Muito bem Drª. Lígia Maria BERGAMASCHI Botta. É sempre assim quando há o interesse político, empresarial. O Técnico é responsável para “achar” as soluções depois do problema acontecido, da enchente ter matado, sufocado e desabrigado milhares de pessoas. Por que não seguiram as orientações iniciais do alemães? E depois da equipe Técnica encabeçada por ti?
A gente sabe o porquê. O caos, infelizmente, “interessa” e rende mais do que a solução definitiva dos problemas urbanos.
É assim em todas as áreas: saneamento, drenagem, vias, viadutos, enfim, tudo!
Parabéns por sua postura decente, honesta, correta que só os honrados têm!
Obrigado.
Como seu colega e de seu Esposo, sinto-me representado e igualmente triste e consternado com as perdas humanas e dos animais. É preciso sim muito mais que uma reconstrução simples!
Forças aos Gaúchos. A Ti meu muito obrigado.
O atual desgoverno federal e o governador não quer solucionar o problema do RS, se quisessem ouviriam TÉCNICOS especializados como essa arquiteta da matéria, a impressão que dá, é que td é um plano pra destruir o agronegócio, sei lá, apenas conjecturas e nada mais.