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STF e presidente Lula | Foto: Montagem Revista Oeste/Fellipe Sampaio/STF/Ricardo Stuckert/PR
Edição 268

Quando o STF vai soltar a mão de Lula?

Em que ponto da nossa história recente muita gente decidiu abrir mão do país, dos três Poderes, e aceitou que um deles se sobrepusesse aos outros dois?

Adalberto Piotto
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Se existe algo completamente fora de sintonia na vida brasileira tal como ela costumava ser, este é o Supremo Tribunal Federal. Dado o papel que escolheu exercer com mão de ferro, o STF se tornou uma excrescência institucional. Em medicina, “excrescência” é uma saliência, aquilo que cresce a mais, que se torna desproporcional ao todo. Não raro, os médicos usam o termo “excrescência” para definir um tumor saliente que, ao destoar do sincronismo perfeito do corpo humano, causa danos ao organismo.

O significado da medicina já seria o bastante para dizer que o STF destoa do orgânico artigo 2º da Constituição, que prevê que os Poderes da República são independentes e harmônicos entre si. Ou seja, o texto constitucional não permite uma saliência, porque estabelece com clareza cristalina as prerrogativas e os limites de cada Poder. Ainda assim, para ser mais preciso, recorro ao significado jurídico de “excrescência”: algo que é desnecessário, excessivo ou que desequilibra o sistema de Justiça. O Supremo não é uma excrescência em si. Jamais deveria ser descrito como desnecessário. Mas sua atuação ativista o transformou numa corte indevidamente política, um poder recursal ível a qualquer momento, com ministros opinando e decidindo sobre tudo e todos. E, como política tem lado — o que no ambiente parlamentar e público alimenta o necessário debate —, decisões do Supremo com o poder do “cumpra-se” têm alterado a lógica da democracia e se tornado uma excrescência em todos os sentidos.

O STF se tornou uma excrescência institucional | Foto: Antonio Augusto/MPF

Recorri à introdução acima porque o barulho político no qual a ala mais ativista do STF se meteu, e que teve reforço nas últimas nomeações do atual presidente da República — vide Zanin, seu advogado pessoal, e Dino, “o primeiro comunista no Supremo” —, é insustentável no ambiente do Judiciário. E é atualmente o maior empecilho para que a política do Executivo e do Legislativo se resolva a seu modo, para que se depure como só a política pode fazer, por ser suscetível à pressão popular. Afinal, é o eleitor o detentor do direito inalienável de, a cada eleição de quatro anos, chancelar ou expurgar políticos que se afastem do interesse público. No STF, a vitaliciedade relativa até os 75 anos de idade, pensada para trazer estabilidade e independência a ministros no exercício do Direito, acabou por garantir impensáveis mandatos de 20, 30 anos ou mais a quem não teve o voto do eleitor e a ele não precisa prestar contas. Dado que os presidentes do Senado Rodrigo Pacheco, antes, e Davi Alcolumbre, agora, omitem-se de vigiar o STF, tal como deveriam fazer sob a constitucional relação de freios e contrapesos, criou-se uma espécie de políticos não eleitos com mandatos intocáveis, uma excrescência em si.

Cristiano Zanin, advogado pessoal de Lula e ministro do STF | Foto: Antonio Augusto/MPF

E esse é nosso principal problema hoje. A vida brasileira da qual trato aqui não se furtou ao saudável barulho da democracia, convenhamos. Desde os anos 1980 e até mesmo depois da promulgação da Constituição, houve uma sucessão de planos econômicos que não deram certo, crises políticas, escândalos de corrupção no Parlamento que reconfiguraram a Câmara e o Senado, leis foram alteradas e aprimoradas para conter abusos, e dois processos de impeachment depam dois presidentes eleitos pelo voto popular. Tudo isso aconteceu sob o escrutínio do cidadão, livre para se manifestar e votar, chancelar, renovar ou não mandatos de políticos que nunca tiveram mandatos eternos. Tudo movido a escrutínio público e prestação de contas à Sua Excelência, o cidadão.

Volto ao tempo presente: à exceção dos bravos parlamentares da oposição que a cada dia mais se expõem para denunciar esse abuso institucional, quantos outros parlamentares têm hoje a liberdade de defender o interesse público, ou apenas de votar conforme sua consciência, sem medo do STF?

Veja o caso recente de Hugo Motta. Um jantar na casa do ministro Alexandre de Moraes, em Brasília, e o PL da Anistia, um projeto político de pacificação cuja prerrogativa é soberana do Congresso, foi paralisado pelo presidente da Câmara que precisaria apenas colocar o tema em votação. Ainda pior, um texto alternativo para combater penas absurdas de um julgamento abusivo, em inquéritos ilegais, na Corte errada e sem a garantia do pleno exercício de defesa estaria sendo redigido no Senado por ministros do Supremo ou sob sua intensiva colaboração. O Judiciário redigir leis é o mais novo significado de excrescência em português falado no Brasil.

Hugo Motta
Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados | Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

E tudo isso acontece sob o silêncio ou o apoio político de Lula, cada dia mais relegado a um papel de refém do Supremo. Em economia, diz-se que não existem fusões entre empresas. “Fusão” seria apenas um eufemismo. A empresa maior comprou a menor, simples assim. Até porque só um dos CEOs será o presidente da nova empresa. Fazendo analogia com a política, não há consórcio de poder, como se imagina existir entre o governo federal e a Corte Suprema. Em que pesem as trocas de favores e as conveniências para o uso de jatinho da FAB, autorizado pelo Palácio do Planalto para ministro do STF voltar para casa ou assistir a um jogo de futebol no fim de semana, alguém manda mais na relação. Com deputados e senadores sob a ameaça constante do foro privilegiado que os leva diretamente para julgamento do STF, e com Lula devendo sua libertação e eleição à excrescência da tese do CEP, alguma dúvida de quem está por cima da carne seca da República de Brasília?

Um ensaio da política atual explica isso: por que Lula, esperto que é — não inteligente e tampouco corajoso —, movido por um instinto animal de sobrevivência política inigualável — porque absolutamente despudorado —, com o desejo confesso de ter de volta algum reconhecimento público doméstico e internacional, não apoia a anistia? Seria natural para a história que ele sempre quis vender, como defensor de injustiçados. Não o faz porque isso afrontaria alguns ministros do STF. Como contrariar quem manda na relação?

Fato é que, sob condições normais de temperatura e pressão da democracia brasileira, Lula e seu governo já estariam respondendo a um processo de investigação no Congresso. Motivos sobram. A explosão fiscal — e a completa inabilidade de Haddad com a economia — é o primeiro deles. Mas veja que foi o Supremo quem permitiu exceções no cálculo das contas públicas, o que, em outros tempos, seriam crimes de reponsabilidade e impeachment. Na seara política, que governo resistiria a um Congresso livre de ameaças supremas dada a sucessão de escândalos que vertem nesse governo? Lembremo-nos do “Arrozão”, da pedalada do Pé-de-Meia sem previsão orçamentária com mais bolsa que aluno, do aumento de mortes de indígenas e do desmatamento, das queimadas, de Itaipu e dos gastos imorais da COP30 em Belém, que nem sequer tem um saneamento básico satisfatório para exibir aos visitantes internacionais. Que governo resistiria à falta de remédios e vacinas no SUS, à epidemia de dengue eterna, ao ministro dos cavalos e dos chips sem antena no meio da floresta, às trapalhadas diplomáticas que expõem o Brasil, à inflação crescente, às estatais que voltaram a ser cabides e a ter déficits, ao deslumbre e aos palavrões públicos de Janja, aos gastos de viagem desproporcionais de todo o governo e, mais recentemente, à corrupção mais infame e cruel de todos os tempos: o roubo de aposentados do INSS, no que pode vir a ser o maior escândalo na já longeva história dos governos corruptos do PT? Em meio a sindicatos ligados ao partido de Lula, que cobravam taxas e faziam empréstimos sem autorização dos beneficiários, e à omissão dos indicados do presidente — à frente do INSS e do Ministério da Previdência — em fiscalizar o aumento exponencial dessa nova modalidade de achacar o cidadão deste país, temos novamente o petismo corrupto em seu estado mais sórdido.

Ministro Alexandre de Moraes, presidente Lula e ministro Luís Roberto Barroso | Foto: Antonio Augusto/STF

Em que ponto da nossa história recente muita gente decidiu abrir mão do país, dos três Poderes, e aceitou que um deles se sobrepusesse aos outros dois? Que interesse mesquinho valeu a perseguição a qualquer custo para a nossa democracia a um lado do pensamento político do país? Afinal, sabemos todos, foi uma tremenda balela aquele negócio de “vamos salvar a democracia” e “ninguém solta a mão de ninguém”.

Porque a única coisa que nos interessa agora é saber quando o STF vai soltar a mão de Lula.

É só o que precisamos para termos o Brasil de volta.

Leia também “Guerra das (duas) estrelas”

18 comentários
  1. Amaury G Feitosa
    Amaury G Feitosa

    A DITADURA É FATO E A NAÇÃO A VÊ ….. ninguém tem mais nenhuma dúvida realidade do país e os fatos citrados deixam isto com clareza ímpar e inquestionável, a nomeação de comunazistas e de seu advogado pessoal, algo que fere qualquer princípio de dignidade e decência para a já aprelhada suprema corte importante e maior apêndice do regime diz tudo, o povo e o mundo vê bem claro, mas mais um escândalo implantado devagar desde 2016 e estupidamente turbinado em dois anos de desgoverno com uma MI instaurada que poderá ter duras consequências pois já que a justi$$a está controlada pelo poder ditador o Senado mesmo dividido com os desdobramentos fatais que advirão terá de tomar atitude e os dias de poder do sr.Ignácio podem estar contados pois uma nação da grandeza do Brasil não pode ficar à mercê de ditadores tão estúpidos, arrogantes e prepotentes tudo capazes … e no limite da desmoralização o poder apodrecido já fede.

  2. JORGE LUIS
    JORGE LUIS

    Piotto, você foi brilhante em teu artigo jornalístico, e a palavra que desenvolve todo o raciocínio foi espetacular, só mesmo um jornalista da Oeste para ter essa sacada! Parabéns, sou teu fã.

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Excelente, Piotto. Com classe resumiu tantos absurdos que tem sido parte de nosso cotidiano com esta quadrilha PT/STF no poder, no oásis sem povo de Brasilia, o m2 mais caro do país, as nossas custas.

  4. Mauro Luiz Bresolin
    Mauro Luiz Bresolin

    Parabéns Piotto. Tem meu respeito

  5. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Piotto, a verdade é que brasileiros de bem, trabalhadores, com caráter, pagadores de impostos e provedores de suas famílias não aguentam mais carregar o país nas costas. Somos um dos poucos redutos no mundo com potencial para crescimento acima de 2 dígitos.

  6. Marcus Borelli
    Marcus Borelli

    Diante de tudo o que está acontecendo eu só posso dizer que enquanto o povo brasileiro for bovino nada mudará, nada!

  7. Hipérides Rodrigues Júnior
    Hipérides Rodrigues Júnior

    Isso é reflexo do povo brasileiro, a maioria analfabeto funcional.

  8. ALCINDO ALVES DOS REIS FILHO
    ALCINDO ALVES DOS REIS FILHO

    QUANDOMO STF VAI SOLTAR A MÃO DO LULA? NUNCA!

  9. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Primeira providência Supremo no xadrez, o resto vem no novelo

  10. nelson jorge leite
    nelson jorge leite

    Parabéns Piotto!!!! Devastador. Disse tudo e mais um pouco. Grato.

  11. Glauco Rodrigues Dos Santos
    Glauco Rodrigues Dos Santos

    Pronto excelente narrativa do quadro atual desse país cujos cidadãos têm o nome de ladrões de madeira!

  12. Carlos Pommer
    Carlos Pommer

    Enquanto houver dinheiro para quem está no poder puder comprar tudo e todos, nada muda.

  13. Ic Filho
    Ic Filho

    Quando? Nunca… nesta quadrilha, ninguém solta a mão de ninguém…

  14. Odilon Soares Teixeira da Silveira
    Odilon Soares Teixeira da Silveira

    Fantástico resumo destes dois anos (e meio) de (des)governo…Piotto sempre indo Direto ao Ponto!!!!!

    1. MNJM
      MNJM

      Texto brilhante. STF mantém Lula na coleira, o descondenou e o elegeu. Simples assim

  15. Lauro Patzer
    Lauro Patzer

    Um artigo elogiável. Descreve a situação crítica da política brasileira contaminada com a intervenção ilegal da toga. Concordo, precisamos trabalhar para termos o Brasil de volta. Povo nas ruas.

    1. Lúcia Kharmandayan
      Lúcia Kharmandayan

      E isso mesmo. Sair da internet, dos jornais, da palavra anônima e ir p as ruas.
      Venho numa luta inglória com todos q gostam de reclamar mas não querem sair do sofá

    2. Lúcia Kharmandayan
      Lúcia Kharmandayan

      Caro Pioto, como medica gostei de sua analogia com excrecenscia, como células q crescem desordenadamente, e sem controle em nosso corpo. Células que fazem parte dele de forma orgânica e estruturada, de repente se tornam malignas, autônomas, destrutivas de outros tecidos e orgaos. O nome médico disso é câncer e necessita de extirpacao, quimioterapia, e etc.. e nem se sabe se deixarmos evoluir muito se haverá jeito de controlar, pq migração p outros órgãos,se multiplicara em fatais metástases.
      amos faz tempo da profilaxia, bem provável q já estejamos na fase metástatica, o que torna obrigatório um tratamento muito, muito agressivo. Agora é matar ou morrer.

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