Cativante, engraçado, impulsivo, agitador e polêmico, Cassius Marcellus Clay Jr. era amado e odiado na mesma intensidade. Imortalizado como Muhammad Ali, foi uma lenda do boxe e um dos atletas mais fotografados da história. Ali apareceu na capa da Sports Illustrated 40 vezes, superado apenas por Michael Jordan, 58. Fez história como pugilista, mas também deixou um vasto legado fotográfico. Inúmeros retratos de sua vida dentro e fora do ringue são fascinantes e memoráveis.
Ele transformava provocação em arte. Criava apelidos nada lisonjeiros para seus oponentes e elevava suas lutas para o universo lúdico. “Ele é feio demais para ser campeão mundial”, disse ele, antes de sua disputa pelo título de 1964 contra Sonny Liston. Dentro do ringue, possuía habilidades que o diferenciavam de outros pugilistas, era veloz, preciso e inovador. Seu slogan resumia bem seu estilo: “Float like a butterfly, sting like a bee” (“flutue como uma borboleta, pique como uma abelha”). Ele mantinha as mãos baixas para atrair seus oponentes, cansando-os no processo para, então, atacar com um jab que ele chamava de “lambida de cobra”.


Em 25 de maio de 1965, os fotógrafos Neil Leifer, da publicação americana Sports Illustrated, e John Rooney, da Associated Press, estavam cobrindo a luta de boxe de Sonny Liston vs. Cassius Clay (que ainda não havia mudado de nome nessa época) quando, no primeiro assalto, com apenas 1 minuto e 44 segundos de luta, Clay derrubou Liston. O nocaute foi tão rápido que a maioria dos espectadores não viu o que aconteceu. O soco ficou conhecido como “golpe fantasma”. Depois de cair, Clay ficou sobre o adversário gritando para ele se levantar e lutar. Foi nesse momento que Leifer e Rooney registraram fotos semelhantes que ficaram famosas no mundo inteiro. A imagem capturada foi tão poderosa que se tornou sinônimo de garra e superioridade nos esportes, amplamente utilizada em camisetas, capas de livros e pôsteres. Ali logo virou um ícone da cultura pop.

Em 1966, Neil Leifer capturou novamente uma imagem magnífica que retrata o espetáculo de dois gladiadores em uma arena, onde Ali sai triunfante. Antes da luta de Muhammad Ali vs. Cleveland Williams, Leifer instalou uma câmera 24 metros acima do ringue, que era acionada com disparador remoto. Ninguém havia feito isso antes. “A única foto que já tirei em que eu não mudaria nada”, disse Leifer mais tarde. De fato, o resultado é irretocável.

Em abril de 1968, o pugilista posou para a capa da revista Esquire caracterizado como São Sebastião, o mártir cristão do século 3º. Na época da sessão de fotos, Ali era o atleta mais famoso e controverso do mundo. Odiado e boicotado pelo establishment. Já havia sido destituído de seu título de boxeador peso-pesado depois de ter recusado a convocação para o Exército. Teve sua licença para lutar em qualquer lugar do país negada. A proibição duraria dos 25 anos até quase 29 — no auge físico de um boxeador. Ali certamente estava sofrendo os “golpes” pelas escolhas que fez. O genial diretor de arte da revista Esquire na época, George Lois, teve a ideia de colocar seis flechas no tronco e na perna de Ali, além de posicionar seu rosto para o alto, como se estivesse olhando para o céu. Naquele momento, Louis soube como ninguém tornar uma lenda ainda mais lendária.

Ali estava em Los Angeles em janeiro de 1981 quando ouviu falar de um veterano de guerra que ameaçava pular do nono andar de um prédio. O campeão correu para impedi-lo. “Você é meu irmão. Eu te amo e não mentiria para você”, disse Ali ao homem. “Você precisa me ouvir. Quero que você venha para casa comigo e conheça alguns amigos meus.” Depois de 20 minutos, Ali conseguiu tirar o homem do perigo e fez questão de ajudá-lo a obter recursos necessários para restaurar sua vida.

Foram 54 vitórias e apenas cinco derrotas ao longo de sua carreira. Aposentou-se em 1981 e logo depois foi diagnosticado com a doença de Parkinson. Com o tempo, deixou de ser polarizador para se tornar uma figura de consenso, celebrada por brancos e negros, direita e esquerda. Em 2005, George W. Bush o condecorou com a Medalha Presidencial da Liberdade, a mais alta recompensa civil norte-americana. Ali faleceu aos 74 anos, em 3 de junho de 2016.


Daniela Giorno é diretora de arte de Oeste e, a cada edição, seleciona uma imagem relevante na semana. São fotografias esteticamente interessantes, clássicas ou que simplesmente merecem ser vistas, revistas ou conhecidas.
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