Às três horas da manhã de sexta-feira, no horário local, Israel promoveu um ataque histórico — e há muito esperado — ao Irã, com o qual eliminou importantes líderes da Guarda Revolucionária Iraniana e destruiu várias instalações nucleares do regime dos aiatolás. O país agora espera a retaliação, que poderá abrir uma nova frente de combate. Mas desde o ataque terrorista do Hamas de 7 de outubro de 2023, os israelenses enfrentam outro tipo de guerra, que tem como principal vítima a verdade. No primeiro dia de junho, a rede inglesa BBC noticiou o massacre de civis palestinos em um centro de distribuição de ajuda humanitária no bairro de Tel al-Sultan, no sul da Faixa de Gaza. A reportagem, replicada pela mídia internacional, informava que forças israelenses abriram fogo contra uma multidão que se aglomerava em busca de comida, matando 31 pessoas e ferindo mais de 200. Um vídeo ilustrava a informação, e a Cruz Vermelha confirmou a chegada das vítimas aos hospitais de campanha.
A notícia se espalhou como fogo em palha seca para, poucas horas depois, não só ser refutada pelo Exército de Israel, como também ser descrita como “falsa e fabricada” pela Gaza Humanitarian Foundation (GHF), entidade que, sob a coordenação dos Estados Unidos, é atualmente responsável pela distribuição da ajuda humanitária em Gaza. As gravações do sistema de vigilância da GHF não registraram nenhum tipo de distúrbio, já a BBC falhou ao não apontar uma única fonte fidedigna da informação além de anônimos “ativistas de Gaza”, “jornalistas locais” e “médicos”. Mais tarde, a rede inglesa republicou o texto, desta vez com o título: “Israel nega ter atirado em civis depois de o ministério coordenado pelo Hamas relatar que 31 foram mortos em um centro de ajuda humanitária em Gaza”.
O que aconteceu naquele dia, segundo quem estava no controle da operação em Gaza, ou seja, a GHF, sob a proteção das Forças de Defesa de Israel (IDF)? Foram entregues diretamente à população civil, como planejado, 15.360 caixas de ajuda humanitária com 900 mil refeições. A operação, que se repete na Faixa de Gaza desde 27 de maio, é resultado de mais de um ano de planejamento de Israel. Essa foi a forma encontrada para impedir que o Hamas continue a desviar a ajuda humanitária em benefício próprio, seja para alimentar e recompensar seus próprios combatentes, seja para vendê-la a preços exorbitantes no mercado negro em Gaza, gerando a renda que lhe dá fôlego para se manter em guerra.
Segundo cálculos do governo de Israel, foi assim que o grupo terrorista arrecadou mais de US$ 1 bilhão nos últimos 20 meses de conflito.
Fake news atestando condutas reprováveis de Israel são comuns, mas essa é a primeira vez que uma delas provoca a resposta pública do governo americano. Ao ser questionada sobre o tema por jornalistas, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, respondeu sem meias-palavras: “A istração Trump está ciente das acusações e checando sua veracidade, já que, diferentemente de alguns veículos de comunicação, nós não tomamos as palavras do Hamas como verdade absoluta. Nós investigamos aquilo que eles dizem, enquanto a BBC exibe manchetes como ‘Tanques israelenses matam 26’ ou ‘Cruz Vermelha diz que 21 pessoas foram mortas em um centro de ajuda humanitária’ — para depois escrever que ‘revisamos a filmagem e não encontramos nenhuma evidência do ocorrido’”.

Campanha de deslegitimação
“O conflito entre Israel e o Hamas não é travado só no campo militar: ele também ocorre nos campos jurídico e midiático. Vivemos diariamente uma guerra de narrativas”, resume Rafael Rozenszajn, major e porta-voz da IDF para a língua portuguesa, que em breve lançará um livro no Brasil justamente sobre esse tema. Elucidar os fatos por trás de falsidades publicadas contra Israel no Brasil e em Portugal é provavelmente a atividade que mais consome seu tempo. “É preciso combater as fake news, uma vez que elas não só deslegitimam Israel pelo mundo como também influenciam negativamente o próprio curso da guerra. Nestas últimas semanas, o foco do Hamas está em minar a atuação da GHF, levando ao mundo a falsa impressão de que o novo sistema de distribuição não funciona e que, portanto, o controle dos alimentos deve voltar às suas mãos”, detalha.
Outro bom exemplo de fake news que impactam o destino dessa guerra diz respeito à divulgação de um número exagerado de palestinos civis mortos por ataques de Israel, o que coloca a moralidade do Exército do país em xeque. Todos os dias, o Hamas publica dados aparentemente detalhados, especificando o número de jornalistas, funcionários da Defesa Civil, mulheres, crianças etc. que teriam sido mortos pelo Exército israelense. A listagem nunca inclui terroristas ou mortes por causas naturais (segundo relatórios da Autoridade Palestina de anos pré-guerra, morrem em Gaza, em média, 6,5 mil pessoas por ano). “Se contabilizarmos 25 mil terroristas mortos por Israel e 10 mil mortes naturais ao longo de 20 meses de conflito, chegaremos ao número de 20 mil civis que infelizmente pagaram o preço trágico da guerra, e não 55 mil, entre eles uma maioria de mulheres e crianças, como atesta o Hamas”, detalha o major Rafael. Importante citar, aqui, que já houve “recontagens” (sempre para baixo) divulgadas pelo Hamas e pela ONU.
A demonização de Israel por meio das fake news conduz também à violência em outras partes do mundo, e os atentados que ocorreram no espaço de duas semanas nos Estados Unidos são uma prova disso: o assassinato a tiros de dois funcionários da Embaixada de Israel em frente ao Museu Judaico de Washington e o ataque de um imigrante turco com bombas molotov contra um grupo reduzido de manifestantes pró-Israel em Boulder, no Colorado, que resultou em 12 feridos. Um deles é sobrevivente do Holocausto.
“Há uma relação direta entre as notícias falsas que buscam deslegitimar a atuação de Israel e o clima de antissemitismo que, por sua vez, conduz à violência”, afirmou Mike Huckabee, embaixador americano para Israel. “A irresponsabilidade dos maiores veículos informativos dos EUA contribui para o clima antissemita que resultou nessas mortes.”
Por fim, a onda anti-Israel garante ao Hamas a energia de que precisa para prosseguir em guerra, apesar de há tempos ter sido derrotado militarmente, uma vez que sua liderança foi liquidada, sua infraestrutura, destruída, e sua capacidade de rearmamento, eliminada. “Sempre que o grupo acredita que a estratégia de deslegitimação enfraquece Israel, nos distanciamos mais de um acordo final. O Hamas entende que conta com o apoio internacional e aguarda o momento em que o Exército israelense cederá à pressão externa e abandonará o combate. Enquanto ele acreditar nisso, não largará as armas nem aceitará devolver os reféns”, acredita o porta-voz israelense, citando as duas exigências de Israel para interromper os ataques.

Proteção versus exposição
Não é de hoje que Israel está em desvantagem na batalha pelo apoio da opinião pública internacional. Um aspecto dificultador para sua autodefesa é a extrema preocupação do Estado judeu em proteger a privacidade de seus cidadãos, o que o impede de divulgar as terríveis imagens do mais sangrento ataque a judeus desde o Holocausto, gravadas por câmeras de segurança e também pelos próprios terroristas no dia 7 de outubro de 2023. “Compilamos um filme de cerca de 45 minutos com uma pequena parte dessas cenas. Nós o exibimos somente para jornalistas, formadores de opinião, lideranças e autoridades mundiais, para que testemunhem quem é o Hamas e o que nos conduziu a essa guerra. Mas não o divulgamos para o grande público por dois motivos: primeiro, para resguardar a privacidade das vítimas e de suas famílias e, segundo, porque as cenas poderiam ser utilizadas maliciosamente para humilhar as vítimas ou propagar o ódio”, explica o major Rafael.
Essa é uma decisão respeitosa que, em contrapartida, dá espaço para vozes que pregam que, ao contrário do divulgado, o Hamas não agiu com a violência atestada, e a reação do Exército israelense é, portanto, exagerada ou desproporcional. Isso levou Israel a flexibilizar sua política e disponibilizar algumas poucas cenas do ataque que, no entanto, chegaram tarde demais ao público, provocando muito menos impacto do que imagens da guerra ou as produzidas pela propaganda palestina.
A relutância de Israel em expor o sofrimento dos seus vai na direção inversa da exploração do sofrimento dos palestinos pelo Hamas, ainda mais amplificada por uma já tradicional indústria de fake news que, em Israel, é conhecida como Pallywood (uma mistura de “Palestina” e “Hollywood”). Em diferentes cenas, as mesmas crianças empoeiradas são resgatadas de escombros, cada vez por uma pessoa diferente; um mesmo ator um dia reporta ataques vestido com uma jaqueta de jornalista, no outro é filmado morto e, mais para a frente, torna-se um pai lamentando a morte de seus filhos; também é comum assistir a crianças que sofrem de diferentes síndromes debilitantes serem expostas como vítimas da fome, para citar alguns exemplos. Os temas são diversos e criativos e conseguem comover os mais desatentos.
É importante esclarecer que o público internacional não é a única vítima das fake news criadas pelo Hamas. Em novembro de 2023, pouco depois do início do conflito, o grupo divulgou um post em seu Instagram — sim, o Hamas usa as mídias sociais — informando a morte de uma das reféns israelenses em resultado de ataques aéreos de Israel. A foto trazia a imagem de um corpo envolvido em um lençol ensanguentado, deixando à vista o braço tatuado da soldada Daniella Gilboa, raptada de sua base militar no dia 7 de outubro. Sua família, junto com todos os israelenses, conviveu com a incerteza sobre sua situação durante mais de um ano, até que ela fosse finalmente libertada viva, em 25 de janeiro de 2025.
A revolução do deep fake
A tecnologia deep fake — um tipo de inteligência artificial usada para criar imagens, vídeos ou áudios falsos — é fantástica e está sendo empregada em muitas áreas com enorme sucesso. Não há dúvidas de que é divertido assistir a vídeos de animais falantes ou acompanhar Donald Trump tomando drinks com Benjamin Netanyahu, ambos de sunga em frente a uma orla imaginária em Gaza. Mas a IA se torna perigosa quando exibe, por exemplo, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, instruindo suas tropas a depor as armas e se entregar ao Exército russo.
Dos mais de mil vídeos recebidos na primeira semana da guerra entre Israel e o Hamas pela redação da CBS News, canal americano de TV com sede em Manhattan, apenas cerca de cem foram considerados críveis para serem utilizados, uma amostra do que aconteceu em todas as redações do planeta. Uma vez que até o momento é praticamente impossível distinguir um vídeo real de um vídeo deep fake, algumas startups, como a israelense Clarity, buscam desenvolver uma solução que possa servir como guia para o público conseguir separar o mundo real do inventado.
“Uma dramática evolução da desinformação está nos atingindo como uma tormenta, causando um impacto dramático especialmente neste momento de guerra”, declarou o CEO da Clarity, Michael Matias. “Publishers e plataformas on-line não estão equipados para lidar com o deep fake, porque ainda usam técnicas tradicionais de moderação, predominantemente humana. A grande maioria dos vídeos deep fake provém de grupos de conteúdo e é gerada por usuários, chega a milhões de pessoas e é altamente viral. Com essa tecnologia, você realmente tem o poder de mudar o discurso público”, afirma.
Enquanto aplicativos como o da Clarity não chegam ao mercado, a única saída para escapar desse universo fake depende do próprio público, que precisa lutar contra sua tendência natural de acreditar imediatamente em conteúdos que ecoam sua própria percepção sem checar a credibilidade da notícia. “A quantidade de fontes de informações disponíveis é imensa, e a única maneira de buscar a verdade é confrontá-las ouvindo mais de uma opinião de forma a construirmos nossa própria percepção”, orienta o ativista e palestrante israelo-brasileiro Marcos Susskind.
Antes que isso aconteça, o mundo continuará sujeito à total inversão de valores, em que vítimas de um massacre tornam-se vilões, e grupos terroristas são apoiados por um público convencido de que está do lado certo da história.
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