Um relatório técnico do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) apontou “várias irregularidades financeiras” em uma ONG do Amazonas, o Instituto de Articulação de Juventude da Amazônia (Iaja), fundada e ainda influenciada por Anne Moura, secretária nacional de Mulheres do PT.
A entidade recebeu R$ 600 mil da pasta, destinados a um projeto de qualificação de 750 jovens de até 21 anos na região de Manaus. No entanto, a ONG não cumpriu o que foi pactuado e teve problemas nas subcontratações feitas com verba pública, segundo a apuração do jornal O Estado de S. Paulo.
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Entre os problemas, a fiscalização identificou que a ONG não cumpriu a regra de cotar três preços antes de contratar prestadoras de serviços e firmou um contrato de consultoria antes mesmo da sondagem ao mercado. O Iaja também fez contratos com cláusulas genéricas, que impedem a verificação dos serviços e o cumprimento de metas.

Além disso, a entidade usou 97% dos R$ 600 mil que recebeu antecipadamente sem direcionar nada especificamente para capacitação profissional. A área técnica do MTE recomendou a devolução de R$ 584,2 mil já usados pela ONG, que terá um prazo para se manifestar.
O MTE não vai decidir sobre o assunto até que haja esse pronunciamento. A pasta informou que o chamado termo de fomento segue com atividades financeiras suspensas até a decisão final. A parceria previa ao todo ree de R$ 1,2 milhão, mas foi suspensa para apuração de denúncias sobre o funcionamento da entidade.
Os atuais e ex-gestores faziam parte de um mesmo grupo político que rompeu. A assessoria jurídica do Iaja afirma corrigir desmandos da presidência anterior. Já Anne Moura afirma ser vítima de perseguição política.
O Pai tá ON! ✊🏼✊🏿✊🏾♀️🚩
— Anne Moura (@annemouraam) May 21, 2021
"Tô livre, leve e solto pra viajar esse país e dizer ao povo que é possível o Brasil voltar a ser grande" – Lula #LulaPresidente2022 #opaitaon pic.twitter.com/xLuvS6UHEI
A elaboração do relatório aconteceu diante da solicitação de documentos à nova gestão da ONG e de uma visita feita por um técnico do MTE à sede da entidade em Manaus. Apesar da troca na gestão da entidade, as falhas persistiram.
“As justificativas apresentadas não se mostraram aptas a sanar as falhas verificadas, que vão desde ausência de cotação mínima, contratos genéricos, falta de comprovação da execução dos serviços, irregularidade na ordem dos atos istrativos até a não realização efetiva das ações previstas no Plano de Trabalho”, diz o documento.
Secretária nacional do PT usou ONG para benefício pessoal
O Iaja é o foco de uma intensa briga política do PT do Amazonas, que repercute na direção do partido em Brasília. O ex-presidente da entidade Marcos Rodrigues gravou Anne Moura, integrante do quadro nacional da sigla, dizendo que ele deveria direcionar recursos públicos recebidos pela ONG à campanha eleitoral dela.
Em 2024, Anne concorreu à vereadora de Manaus pelo PT, mas não foi eleita. “Eu quero falar do nosso projeto, do MTE. Nós precisamos saber como que… Eu preciso de dinheiro. De forma objetiva: eu preciso de dinheiro”, disse ela no áudio, sem saber que era gravada. “Estamos prestes a ganhar essa eleição, só que a gente precisa saber como a gente vai fazer isso.”
Anne Moura apareceu em outra gravação dizendo que o comitê deveria ser usado em benefício de sua campanha eleitoral. Ela afirmou ter recebido aval da cúpula do Ministério da Cultura, mas a pasta nega que uma conversa sobre o assunto tenha existido.
Recursos de uma emenda estadual, enviada por um deputado do Amazonas, financiaram a mesma escola de samba de Manaus que homenageou Anne Moura no ano eleitoral.
Anne fundou a ONG em 2012. Apesar de não aparecer formalmente nos quadros da entidade, ela mantém influência sobre a organização, frequenta a sede do instituto e mantém aliados na condução das atividades.
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A atual gestão atribui as irregularidades a Marcos Rodrigues, que ficou à frente da entidade por quatro anos. Ele fazia parte do grupo político de Anne Moura e tinha a confiança dela, até o rompimento no fim do ano ado.
Na versão dele, a briga se deu por insatisfação com o uso da estrutura da ONG para fins pessoais da petista. A gestão de Rodrigues tinha na equipe pessoas ligadas a Anne Moura que permaneceram depois da saída dele.

Em março, ele disse ao Estadão que, na condição de chefe formal da ONG, era o responsável por operar desvios de recursos e de finalidades de editais em benefício do grupo político de Anne Moura.
“Ela me usou para desviar o recurso. Não estou te falando isso para dizer que não sabia de nada, que sou um ‘alecrim dourado’. Não sou”, afirmou ao jornal. “Eu sabia de tudo o que estava acontecendo, mas fiz porque tinha um comprometimento político. Quando eu vi que ela estava sendo filha da p*ta comigo, resolvi entregar tudo.”
Além do convênio com o MTE, o Iaja também coordena o comitê de cultura do Amazonas, vinculado ao Ministério da Cultura. A estrutura foi criada na gestão da ministra Margareth Menezes, com objetivo de fomentar ações nos Estados.
📌 “Uma coisa eu deixei bem claro: eu não sou pré-candidata de mentirinha", diz Anne Moura, pré-candidata à Prefeitura de Manaus pelo PT pic.twitter.com/qHZA2FhRLE
— Rede Onda Digital (@redeondadigital) April 3, 2024
MTE não aceita explicações do Iaja
Segundo a apuração do Estadão, o principal contrato do Iaja com a verba do MTE, no valor de R$ 614,6 mil — que foi parcialmente pago —, foi firmado com a empresa Cidade Consultoria Empresarial. A aconteceu antes mesmo da cotação de preços no mercado.
O contrato definia a prestação de “serviços técnicos profissionais de organização acadêmica, dos materiais didáticos e de serviços relacionados aos recursos humanos”.
Ao ser cobrado pela fiscalização sobre a prévia, o Iaja alegou um “erro material” e disse que deveria haver “presunção de boa-fé nos atos praticados”. O argumento não foi acolhido, e a fiscalização também identificou outros problemas no contrato.
“O contrato analisado não apresenta cláusulas suficientemente detalhadas sobre o escopo técnico do objeto, tampouco critérios para aferição da execução ou resultados entregues”, diz a nota técnica do MTE.

A ONG Iaja também não cumpriu a obrigação prevista em decreto de fazer cotações com pelo menos três empresas. Dos cinco processos de compras e subcontratações fiscalizados, só um cumpriu a exigência. Ainda assim, houve “ausência de chamamento público ou qualquer forma de divulgação que possibilitasse ampla concorrência na apresentação de propostas por parte de fornecedores”.
O MTE também identificou irregularidades na contratação de uma empresa por R$ 35 mil para obras de “manutenção e adequação” na sede da ONG. A intervenção seria necessária para criar “espaço apropriado” para armazenamento de materiais e servir como ponto de “acolhimento dos professores”, conforme apurado pelo Estadão.
Para comprovar as melhorias contratadas, a ONG só apresentou fotos. “Contudo, a apresentação de imagens, sem documentos fiscais, relatórios técnicos, ordens de serviço, contratos detalhados ou atestados de recebimento, é insuficiente para atestar a execução contratual de maneira formal”, diz o relatório.

A ONG ainda firmou contrato com uma empresa para produção e oferta de materiais gráficos e montagem de kits para alunos e professores, por R$ 81 mil. Mas o contrato não especificava quantidade ou características dos materiais a serem entregues. Para os fiscais, esse expediente procedimento “compromete a clareza contratual e a capacidade de verificação da correta execução do objeto”.
No processo recente de fiscalização, as explicações enviadas ao MTE foram assinadas pela presidente atual do Iaja, Samara Pantoja, outra aliada de Anne Moura. Por meio de nota assinada pelo advogado Hamilton Colares Azevedo Júnior, a ONG afirma estar tomando medidas legais para corrigir os problemas herdados e preservar a reputação da entidade.
O texto diz que a entidade “já está adotando todas as providências legais cabíveis frente aos apontamentos apresentados no relatório, visando à salvaguarda da reputação da instituição e ao restabelecimento da verdade dos fatos”. A argumentação não foi acolhida pelos fiscais.
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