O Brasil segue, apesar de tudo. Segue porque felizmente o país se entendeu maior que os conchavos de poder a qualquer custo do ninho das vaidades extremadas da capital federal. Estamos num momento de mais Brasil e menos Brasília a fórceps. É preciso. Afinal, crises políticas, por piores que sejam, por mais incômodas e por maior estrago que causem, nunca pararam o país. Recessão econômica, sim, isso para — vide Dilma, a herdeira das irresponsabilidades de Lula que dobrou a meta numa combinação explosiva de má gestão, pedaladas e um ambiente de corrupção exponencial. É contra isso que o Brasil que trabalha e produz se debate ao driblar o fosso do comando dos atuais três Poderes da República.
A síntese da realidade nacional é esta: fazer o melhor que pode agora, proteger-se o máximo possível e esperar a mudança — para muito melhor — nas eleições de 2026. E divido esse cenário em dois grupos: o da política e o da economia. O descalabro dos juízes das altas Cortes de Brasília está no grupo da política. Eles escolheram assim, em detrimento do Direito e do recato.
Fato é que o Brasil não poderá chegar a 2026 fraturado como está. E não me refiro à polarização política, tão aventada como a razão de nossos problemas. Numa democracia, posições opostas não machucam ninguém e chegamos até aqui com o debate acalorado, digno e previsível de ambientes democráticos. A fratura a que me refiro é a institucional, de perda de referências, de regras, de previsibilidade e sob o atropelo de um Poder que abusa e outros que se apequenam. Em poucas palavras, hoje tudo vai parar e depende do Supremo Tribunal Federal, transformado em uma espécie de “politburo”, aquele comitê dos partidos comunistas que tudo comandava e de quem todos deveriam ser obsequiosos seguidores.

Antes de irmos adiante, uma pausa para repor a história: a Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, estabelece de forma inequívoca, logo no seu artigo 1º, que somos um “Estado Democrático de Direito”, cujos fundamentos são a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa com pluralismo político. No parágrafo único, sacramenta: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Nenhuma menção a governo de juízes — como denunciou o ministro Luiz Fux, num dos raros momentos de sensatez da Corte. E logo a seguir, para que ninguém se perca no seu longo texto de 250 artigos, a Carta diz que os Poderes — pela ordem, Legislativo, Executivo e Judiciário — são independentes, antes de tudo, e harmônicos entre si. Independência não requer explicações. Tem de ser. A harmonia é o inalienável respeito às leis e às prerrogativas de cada um, e não a submissão para evitar conflitos necessários.
Para que a vida brasileira tenha um mínimo de chance de voltar à normalidade constitucional, alguém terá de ceder. E não será a Constituição. Ela é soberana e está acima de todos. Por mais que se a critique, é o único alicerce legítimo que temos e onde construímos o Brasil desde a redemocratização nos anos 1980. Em termos objetivos, dado o desmantelo que nos empurraram em nome da falácia da “defesa da democracia”, é a Constituição ou o STF, a Constituição ou a dupla Alcolumbre-Motta, a Constituição ou o Lula, a Constituição ou a Janja, a Constituição ou os “Prerrô” por aí. É simples assim. Alguém terá de ceder. E não será a Constituição, porque a Constituição somos nós. A minha insistência em recorrer ao texto constitucional não carrega nenhuma pretensão erudita ou de discurso meramente técnico-jurídico. Jamais! Recorro à Constituição porque ela é a solução pronta para tudo o que hoje afronta a vida nacional. E a melhor definição de um país e um povo que deram certo é que eles tenham dentro de si a solução para seus problemas, porque coisas a corrigir sempre haverá, aqui ou em qualquer lugar. O Brasil e os brasileiros têm. Basta olhar ao redor do planeta.

Veja que o constituinte lá atrás não tergiversou em garantir como cláusulas pétreas as liberdades, a cidadania e o regime democrático, justamente para que nunca tirassem de nós o direito e o dever da crítica aos poderosos. Não tem como aceitar que alguém se ache no direito de pedir a Xi Jinping censura ao TikTok ou permitir que o casal presidencial e seus supremos façam isso por aqui, com ou sem ajuda chinesa, como pediram Lula e Janja. No mais, a Constituição é reformável justamente para permitir a modernização das leis. Mas liberdade e democracia já são a evolução de uma sociedade em si, antídotos contra retrocessos.
Em cada uma das alternativas à Constituição e às nossas leis democráticas que expus acima, temos o arbítrio movido a interesses particulares que afrontam o interesse público, o de todos nós como nação. Do STF, a insegurança jurídica, o ativismo judiciário e a intromissão nos outros Poderes; de Alcolumbre-Motta, a omissão que permite todo esse estado de coisas; de Lula, mais escândalos de corrupção, uma gestão errática de rombos fiscais e ineficiência sob um governo dependente do Supremo para permanecer no poder, alguém que diminui a cadeira de presidente e aprofunda a crise institucional; de Janja, um deslumbre que poderia ser só bocó e tolo, mas que custa muito caro aos pagadores de impostos e é perigoso ao defender publicamente censura com a narrativa de “regulamentação das redes”; e dos “Prerrô”, esse comportamento de parte da sociedade que diz “salvar a democracia” abraçando a ditadura seletiva e a perseguição a quem pensa diferente deles.

Em suma, é a Constituição ou a perda de tudo o que temos de mais sagrado: as nossas liberdades de expressar, de empreender e de viver com segurança jurídica a vida brasileira como a tínhamos antes dessa gente toda saliente querer ditar regras e ter comportamentos acima da lei.
Por fim, a economia. Ela sucumbe muito mais entre as micro e pequenas empresas e os assalariados porque dependem de crescimento econômico sustentável com inflação baixa, juros baixos para crédito ível e um governo responsável com os gastos e com o país, tudo o que o governo Lula 3 não entrega ou faz ao contrário. Mas os setores que podem — e esse é um fenômeno brasileiro que merece atenção — resistem e usam do expediente de contornar Brasília sempre que possível. É o caso da indústria da construção civil, que aposta no longo prazo, em projetos de cinco ou dez anos para mitigar os problemas momentâneos, e na eleição de 2026; ou do agronegócio que, internacionalizado e com demanda externa pela comida que produzimos com excelência, dribla a instabilidade local. Mesmo o setor de manufaturados exportador escolheu bancar-se praticamente sozinho na recente negociação com os Estados Unidos, dada a nova política de tarifas de lá e a ineficiência diplomática daqui.

No mercado financeiro, tudo já está precificado. Os investidores não brigam com fatos nem se envolvem em debates políticos. Precificam e pronto. E o preço que pam — alto, embora compreensível — foi o de também esperar a eleição do ano que vem, já contando com o fim do pesadelo do lulismo. A recente alta da B3, a bolsa de São Paulo, chamou atenção. Em que pesem fatores externos vindos dos Estados Unidos terem tido certo peso, a outra parte foi motivada com visão otimista do futuro: comprar hoje ações baratas de empresas que terão vida nova numa nova economia sem Lula depois de outubro do ano que vem é um bom negócio.
Portanto, não será a Constituição, tampouco o desejo de retomar o país, e muito menos seremos nós, os brasileiros, que vamos ceder.
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