O arquiteto Albert Speer fez parte da equipe de liderança nazista, além de ter sido amigo, confidente e um dos homens mais próximos de Adolf Hitler. Foi preso em 23 de maio de 1945 pelos crimes de guerra e contra a humanidade, mas conseguiu escapar de uma sentença de morte nos Julgamentos de Nuremberg. Foi condenado a apenas 20 anos de prisão em Spandau, na antiga Berlim Ocidental, onde escreveu suas memórias e ficou conhecido como “prisioneiro número 5”. Dizia que tinha uma ideia vaga do que se ava nos campos de concentração. Sabia manipular e seduzir seus interlocutores e convencê-los de qualquer coisa, inclusive de que era inocente e um “bom nazista”.
Na prisão, ele conseguiu se retratar como um tecnocrata apolítico, um idealista enganado e iludido. Foi libertado em 1966. Ficou rico com os livros que escreveu, alguns best-sellers. Suas memórias, publicadas em 1969, e Spandau: O Diário Secreto, de 1975, estão entre as obras mais lidas na Alemanha e contam com mais de 1 milhão de exemplares vendidos. Em resumo, apresenta sua versão dos fatos, diz que nada sabia dos genocídios nazistas e que, durante o regime, só cumpriu seu “dever”. Se eximia de qualquer culpa sobre o Holocausto e distorcia fatos com extrema facilidade. Até sua morte, em 1981, Speer continuou a afirmar publicamente que desconhecia a “solução final”. O semanário Der Spiegel o chamava de “o ex-nazi preferido dos cidadãos”.


Depois de ouvir Hitler discursar em um comício em Berlim no final de 1930, Speer filiou-se entusiasticamente ao Partido Nazista. Impressionou tanto o Führer com sua eficiência e talento que, logo depois de Hitler se tornar chanceler, tornou-se seu arquiteto pessoal. Alguns anos depois, foi nomeado inspetor-geral de obras (GBI, na sigla em inglês) da Capital do Reich, uma espécie de escritório com o objetivo de remodelar Berlim de acordo com as ideias nazistas. Foi responsável pela construção de muitos edifícios e complexos em Berlim, incluindo o Zeppelinfeld (“Campo Zeppelin”). Determinou a demolição de 50 mil apartamentos residenciais para dar lugar aos novos edifícios. Moradores foram transferidos para apartamentos que antes pertenciam a famílias judias. A partir do início de 1939, conseguiu que cerca de 15 mil apartamentos fossem desocupados por judeus. Assim, as listas elaboradas pela equipe de Speer para esse fim foram utilizadas, a partir de setembro de 1941, como base para a deportação dos judeus que ainda viviam em Berlim para campos de concentração e campos de extermínio.
Em 1942, o papel de Speer dentro do regime cresceu. Hitler nomeou-o ministro do Reich para Armamentos e Munições e chefe de produção de guerra. Nessa função, intensificou a confecção de armamentos tanto para a Luftwaffe (“Força Aérea”) quanto para o exército nos meses seguintes, bem como para a indústria da construção.
O escritório do GBI também foi responsável pela construção e aprovação de cerca de 3 mil campos para trabalhos forçados em toda a Alemanha. Speer teve um papel central na criação e expansão de um sistema de mão de obra escrava para produzir armamentos em escala industrial e tempo recorde. Milhões avam fome e trabalhavam até a morte em suas fábricas.

Juntamente com Heinrich Himmler, chefe da SS, e Hans Kammler, responsável pelos canteiros de obras da SS, Speer esteve profundamente envolvido no sistema de perseguição e no planejamento da expansão do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau. Nenhum campo de concentração poderia ser construído sem o apoio do GBI e de seu ministério. Ele aprovou e financiou a construção das linhas ferroviárias, câmaras de gás e crematórios.
O prisioneiro número 5 executou todas as ordens de Hitler, exceto a final: o Decreto Nero. Assinado pelo Führer em 19 de março de 1945, o decreto ordenava — na mais selvagem das políticas de terra arrasada — a destruição de depósitos de suprimentos, equipamentos militares, infraestrutura ou instalações industriais da Alemanha e de países ocupados para evitar que as tropas aliadas (principalmente as soviéticas) tivessem o a qualquer evidência e às obras e construções da era nazista.

Contudo, mesmo depois da morte de Speer, manteve-se a lenda do “inocente”. Em 1971, o estúdio cinematográfico americano Paramount planejava filmar as memórias de Speer, baseado em seu livro autobiográfico. De uma hora para outra, o estúdio desistiu de levar adiante a filmagem. O risco de lançar um filme baseado nas “memórias” de um nazista era, de fato, muito alto. Até mesmo grandes produções cinematográficas, como A Queda — Hitler e o fim do Terceiro Reich, de Oliver Hirschbiegel (2004), indicada ao Oscar, colaboraram para que esse mito permanecesse. O arquiteto foi apresentado como um “gentleman nazi“.
Com o tempo, o mito do “bom nazi” foi desconstruído. Hoje não resta dúvida de que ele foi responsável pelo genocídio e pela morte de tantas pessoas nos campos de extermínio. Foi acusado sobretudo de ter aperfeiçoado o sistema de trabalho escravo, causando a morte de muitos milhões de trabalhadores.

O arquiteto pediu desculpas ao tribunal e assumiu a responsabilidade pelo trabalho escravo, dizendo que deveria saber, mas não sabia. Para mostrar suas credenciais de “bom nazista” e se distanciar dos outros réus durante os Julgamentos de Nuremberg, Speer alegou ter planejado matar Hitler dois anos antes. Ele jogaria uma lata de gás venenoso em uma entrada de ar de seu bunker. Ao ouvir isso, os outros réus riram no tribunal.
Um quarto de século após sua morte, surgiu uma coleção de cem cartas de sua correspondência, ao longo de dez anos, com Helene Jeanty, viúva de um líder da resistência belga. Em uma das cartas, escrita em 1971, Speer itiu ter estado presente em uma conferência, em 1943, na qual Heinrich Himmler anunciou que todos os judeus seriam mortos. A carta se tornou pública apenas em 2007. O legado como arquiteto foi efêmero. Atualmente, quase nada de seus edifícios sobreviveu, seja porque não saíram do papel, seja porque foram demolidos, incluindo a Chancelaria do Reich e o Estádio Zeppelinfeld. No entanto, o sombrio legado de Speer como nazista persiste.

Daniela Giorno é diretora de arte de Oeste e, a cada edição, seleciona uma imagem relevante na semana. São fotografias esteticamente interessantes, clássicas ou que simplesmente merecem ser vistas, revistas ou conhecidas.
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