Fora de casa, Donald Trump faz de tudo para solucionar conflitos em andamento e evitar novos; dentro dela, não poupa esforços no combate aos desvios de atuação das mais icônicas instituições de ensino superior. Mesmo que para justificar a atitude ele publicamente empunhe a bandeira contra o antissemitismo desenfreado sob seu teto, Trump sabe que há muito mais em risco do que a segurança dos judeus americanos: o desvirtuamento do papel das universidades na formação da sociedade e a falta de controle sobre o que as move ameaçam, mais do que a comunidade judaica, a própria segurança nacional.
Essa é uma batalha em duas frentes. Trump precisará triunfar no confronto entre ideologias antagônicas — de um lado, um governo republicano regido pelo slogan “Tornar a América grande novamente” e, de outro, um sistema rendido à ideologia woke que há tempos se instaurou no campo educacional americano, europeu e em vários países do mundo, como o Brasil. Paralelamente, precisará compreender a extensão dos tentáculos bilionários do Catar, enraizados nas instituições americanas, para então destruí-los.

Voando baixo, e dessa forma escapando dos sensores governamentais americanos, o Catar investiu nos Estados Unidos, desde a década de 1980, mais de US$ 120 bilhões para estabelecer uma rede de legitimidade em Washington, nas universidades, escolas, empresas privadas, think tanks, fundos de investimento etc. Os cataris também investiram poderosamente na aquisição de armamentos, real estate e plantas energéticas, entre outros setores, e acabaram de selar com os EUA um novo acordo na semana ada, no valor de US$ 243 bilhões.
Tais números poderiam ser vistos, como foram até pouco tempo atrás, como uma alavanca da economia americana, caso fossem um sinal de parceria entre dois países com interesses comuns — o que está longe da realidade. “O Catar serve à mesma ideologia pregada pelos grupos terroristas que financia, como Al-Qaeda, Hamas e Talibã, os quais são, por sua vez, inimigos declarados dos EUA”, afirma Jonathan Schanzer, diretor-executivo do think tank americano Fundação pela Defesa das Democracias (FDD).
Então, como os Estados Unidos permitiram que um dos grandes inimigos do Ocidente e de seus valores conquistasse tamanho espaço dentro de suas fronteiras? “Até pouco tempo atrás, o Catar não era visto como um adversário, como ocorre com a China, por exemplo. Ele ocupava uma área cinzenta: não era visto como ‘the good guy’ e também não era tachado de ‘the bad guy’. O ex-presidente Joe Biden até mesmo o designou como principal aliado extra-Otan, em 2022. Finalmente paramos para nos perguntar o que está exatamente acontecendo aqui”, analisa Schanzer.
Universidades movidas a bilhões
Até o fim de 2023, quando as universidades americanas começaram a se transformar em um palco de violentas manifestações públicas pró-Hamas e proliferaram as ameaças a seus alunos judeus, o grande público havia ouvido falar pouco sobre o “investimento” do Catar em instituições como Harvard, Georgetown ou Cornell. No relatório Redes do Ódio: os Tesoureiros do Catar, o Soft Power e a Manipulação da Democracia, a ONG americana-israelense Instituto de Estudos da Política e do Antissemitismo Global (ISGAP, na sigla em inglês) reportou: “O Catar contribui com mais fundos para as universidades nos EUA do que qualquer outro país do mundo. Ele concentra suas doações em determinadas universidades de elite americanas para maximizar sua influência. Essa estratégia sugere que haja muito mais motivações estratégicas do que filantrópicas”.
Filantropia é de fato um tema que interessa pouco ao Catar, uma monarquia hereditária do Oriente Médio sem partidos políticos ou liberdade de imprensa, com uma população diminuta de 330 mil cidadãos e assentada sobre abundantes reservas de petróleo e de gás natural, que lhe alçam à posição de sexto maior PIB per capita do planeta.
O volume total de doações e sua origem específica são desconhecidos, o que já é preocupante, mas sabe-se que o montante chega a dezenas de bilhões de dólares. No ranking de maiores doadores estão Catar, China, Alemanha e Arábia Saudita. A pesquisa realizada pela Network Contagion Research Institute (NCRI) exibe números oficiais que evidenciam que “as comportas da represa foram abertas durante a era Biden”, segundo o seu cofundador, Joel Finkelstein.
Aportes parciais provenientes oficial e exclusivamente do Catar são por si só fenomenais. Para citar alguns exemplos, a Carnegie University declarou ter recebido US$ 301 milhões entre 2020 e 2023; à Virginia Commonwealth University foram destinados US$ 125 milhões entre 2019 e 2023; já a Georgetown University recebeu US$ 210 milhões entre 2015 e 2023. No topo dessa lista resumida está a Cornell, que embolsou US$ 1,5 bilhão do Catar desde 2015. Estas duas últimas foram também convidadas a construir campi satélites no Catar: a Cornell fundou uma escola de Medicina, e a Georgetown, de Relações Internacionais.
Sejam quais forem os valores declarados, eles não representam a realidade, já que é de conhecimento público que muitos outros bilhões ficaram fora do radar governamental. Eles foram recebidos por cerca de 200 faculdades e universidades americanas e são originários, além do Catar, de outros regimes autoritários, como Arábia Saudita, China e Turquia. Trazer essas cifras à tona é, portanto, o primeiro o da longa batalha encampada por Trump desde seu mandato anterior.
Os casos Georgetown e Harvard
Georgetown e Harvard exemplificam bem o atual descomo ideológico vivido pelos EUA dentro de suas salas de aula. A primeira forma, em sua escola de Relações Internacionais, gerações de diplomatas, pensadores, criadores de políticas e líderes como o ex-presidente Bill Clinton. Em 2005, a instituição recebeu do Catar US$ 760 milhões para criar um campus satélite em Doha e, para mantê-lo, mais US$ 248 milhões apenas entre 2021 e 2024, segundo o NCRI.
O americano Bruce Hoffman, pesquisador dos campos de insurgência e terrorismo há quase 50 anos e autor de livros consagrados sobre esses temas, foi convidado para lecionar ali. “Fiquei chocado ao descobrir que alguns estudantes do meu curso de estudos sobre terrorismo duvidaram que a Al-Qaeda fosse um grupo terrorista. E eles eram, em grande parte, diplomatas interessados em obter um nível mais alto de graduação”, afirmou Hoffman.

Sua temporada em Doha durou apenas dois anos. Após a invasão do Hamas a Israel em outubro de 2023, o professor decidiu abandonar a GU-Q, sigla da Georgetown University of Qatar, e lançar uma campanha com o objetivo de expor a longa história do Catar no financiamento do terrorismo mundial. “O país foi o financiador daquele ataque, e isso fez com que se tornasse inaceitável para mim permanecer ali.”
Quanto a Harvard, encerra-se em breve o prazo de 30 dias concedido pelo Departamento de Educação dos EUA para a reapresentação de seu mais recente relatório financeiro, que foi considerado incompleto. Entre outras exigências, o governo aguarda que a instituição apresente a relação de todos os subsídios recebidos do exterior e contratos em vigência com fontes externas. A universidade foi contemplada com o maior valor histórico em fundos internacionais, estimado em US$ 3,2 bilhões.
Na guerra de Trump, Harvard é vista como uma instituição em que “o antissemitismo está fora de controle”, segundo suas palavras. Em um post, ele escreveu: “Harvard deve perder seu status de isenção de impostos e ser tachada como uma entidade política”. O escritor Jonathan Haidt, professor de psicologia social na Universidade de Nova York, concorda com ele: “As universidades precisam escolher entre buscar a verdade ou adotar a militância social como propósito central”.
O embate com o governo tem causado grande estrago financeiro na instituição, uma vez que a istração Trump já suspendeu US$ 2 bilhões de fundos federais destinados a ela e agora considera retirar outro US$ 1 bilhão em subsídios. O governo também propôs revogar o direito de Harvard a aceitar alunos internacionais, hoje uma de suas fontes preciosas de faturamento.
De acordo com outro relatório divulgado pelo ISGAP, à medida que as doações de países do Oriente Médio aumentam e se tornam menos transparentes ao público, crescem nos campi as campanhas para silenciar acadêmicos, erodir valores democráticos e reduzir a liberdade de expressão dos alunos. Essa correlação explica a explosão de manifestações e ataques antissemitas e anti-Estados Unidos nas universidades, especialmente depois do início da atual guerra entre Israel e o Hamas. “Os cataris não se empenham em promover especificamente o antissemitismo ou mensagens pró-Palestina, mas acreditam que esses são dois subprodutos convenientes para eles”, entende Ariel oni, estudante de Ph.D. da Universidade Bar-Ilan, em Israel, especializado em relações internacionais do Catar e do Golfo Árabe.
Inimigo oculto
Compreender o Catar é uma tarefa e tanto: afinal, como é possível que ele seja o financiador da Al-Qaeda, grupo terrorista responsável pelo ataque às Torres Gêmeas de Nova York em 2001, e, ao mesmo tempo, abrigue em seu território a Al Udeid, maior base aérea militar americana do Oriente Médio">“Valsa nuclear a três”
Uma das reportagens mais esclarecedoras já publicadas em Oeste. Embora já estivesse interessada nos boatos sobre o Catar, fiquei agora informada dos fatos e estarrecida com eles.